Pela proposta, órgão responsável por gerenciar mercado deve ser criado em até dois anos pelo governo. Texto ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados. Mercado de carbono: Senado aprova projeto após acordo com bancada ruralista
O Senado aprovou nesta quarta-feira (4) um projeto de lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), um novo órgão que vai fazer a gestão do mercado de carbono no Brasil.
O órgão que comandará o sistema deve ser criado em até dois anos pelo governo federal a partir do momento em que a lei entrar em vigor. Caso isso aconteça, uma regulamentação específica definirá pontos ainda em aberto, como a composição do órgão gestor e o teto de emissões tolerado pelo sistema.
O projeto não está aprovado definitivamente e ainda precisa passar por análise da Câmara dos Deputados, onde poderá sofrer modificações. Entenda as atribuições do órgão e o mercado que irá regulamentar.
Composição do órgão
A governança do SBCE será feita pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, composto por 11 ministérios do governo federal, além de entes definidos pelo governo federal, que precisará editar um ato sobre o assunto. Serão definidas duas categorias de atuação no sistema: um órgão gestor e um comitê técnico consultivo permanente, que contará com a participação dos governadores dos estados amazônicos.
O órgão será mantido com recursos de multas e encargos aplicados por ele, além de convênios celebrados com entidades sobre o assunto.
"A governança é um dos pontos principais a ser regulamentado. Se ficar muito frouxa ou tiver pessoas não habilitadas, enfraquece a capacidade de fiscalização", disse Shingueo Watanabe, pesquisador do Instituto Talanoa.
O órgão que fará a supervisão do sistema poderá atuar aos moldes de uma agência reguladora ou como o Operador Nacional do Sistema (ONS), no setor elétrico.
Objetivos
O principal objetivo é fazer com que as empresas se responsabilizem por suas emissões ao mesmo tempo em que as incentiva a reduzi-las e, assim, gastem menos para fazer as compensações.
Ativos administrados pelo sistema
O SBCE vai negociar dois ativos: a Cota Brasileira de Emissões (CBE) e os Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões.
Quem será alvo da regulamentação
O sistema abarca todos os emissores de mais de 10 mil toneladas de gás carbônico por ano. Estão isentas apenas as empresas relacionadas ao setor primário do agronegócio. A retirada deste setor do mercado regulado aconteceu após pedido da bancada ruralista sob a alegação de que não há consenso sobre a medição do total emitido pelo setor.
Os operadores devem submeter ao SBCE anualmente o relato de emissões e remoções de gases de efeito estufa, conforme plano de monitoramento aprovado pelo mesmo órgão. O valor a ser pago para cada um será definido pelo órgão regulador a partir de um teto de emissões que ainda será estabelecido.
Punições
Os descumprimentos poderão ser punidos com advertências, multas que podem ir de 50 mil a 5 milhões de reais, embargo ou mesmo suspensão total da atividade. Apesar disso, especialistas afirmam que é importante definir um valor para a multa por tonelada excedente de carbono emitida. Isso, na prática, estabelece um teto para o preço do crédito de carbono -- ou então seria mais vantajoso se pagar a multa em vez da compra do crédito de carbono.
"Na Europa, a cobrança começou com 5 [cinco euros] por tonelada, hoje está em 100 [cem euros] por tonelada, em menos de 20 anos", pontuou o pesquisador do Instituto Talanoa, Shingueo Watanabe.
Plano Nacional de Alocação
Será elaborado pelo sistema e vai definir o limite máximo de emissões permitidas, a quantidade de Cotas Brasileiras de Emissões que serão negociadas entre os operadores, entre outros itens relacionados às cotas de emissões. O plano precisará ser aprovado com antecedência de um ano antes do seu período de vigência.
Oferta de créditos de carbono
Qualquer pessoa física ou jurídica poderá fazer oferta de créditos de carbono, a partir de projetos ou programas que impliquem redução ou remoção de gases de efeito estufa, como projetos de reflorestamento, por exemplo.
Povos indígenas e comunidades tradicionais poderão desenvolver projetos semelhantes em terras indígenas e de proteção ambiental, desde que não lhes seja imposto e que haja consentimento dos povos tradicionais que ocupam o território.
A lei também estabelece que os ganhos com crédito de carbono serão tributados pelo imposto sobre a renda.
Recepção do projeto
O projeto aprovado pelo Senado foi comemorado como um avanço por especialistas ligados ao meio ambiente, bem como por entidades ligadas ao agronegócio. Ainda assim, houve divergência sobre a exclusão das atividades primárias da agricultura e pecuária do mercado regulado de carbono.
"O ponto positivo é ter avançado no legislativo na instituição do mercado de carbono no Brasil por ser a forma mais barata para a redução de emissões", disse Guarany Osório, professor e pesquisar do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV Eaesp. "Ela é feita para ajudar na mudança de comportamento nos setores que ela regula."
O pesquisador Shingueo Watanabe concorda. "Esse é o melhor texto que apareceu nos últimos anos, mesmo com todas as modificações. O mercado de carbono estava previsto para aparecer em 2010, então ainda bem que ele apareceu agora."
Segundo Osório, o padrão mundial é a inclusão dos setores industrial e energético. "No mundo, o padrão é que o mercado de carbono seja aplicado para o setor industrial e energético, isso porque as metodologias de mensuração e verificação são consolidadas", disse.
"Não se vai resolver desmatamento ilegal com mercado de carbono, mas com comando e controle. O agronegócio não foi excluído da política de clima brasileira."
A tendência é que a regulamentação pressione a atualização da indústria. "O objetivo principal é que o mercado se transforme. O mercado de carbono não induz mudanças na agricultura como faz na indústria, que as empresas podem atualizar seus equipamentos. Nenhum país incluiu a agricultura, porque esse não é o instrumento adequado", disse Watanabe.